terça-feira, 20 de outubro de 2009

Intro

Há muito que não escrevo. Tanto que já nem me lembro da última vez. Quer dizer, escrever, escrevo, aquelas coisas que se escrevem todos os dias porque tem mesmo de ser. Mas faz muito tempo que não paro para escrever um texto criativo, seja uma história, uma crónica ou um conjunto mais ou menos homogéneo de devaneios nem sempre pouco parvos, coisa que, em tempos, fazia habitualmente. Faz muito tempo que não faço rigorosamente nada no que à criação literária diz respeito. E isso faz-me falta. Faz-me falta porque me ajuda a descontrair e a reflectir. Faz-me falta porque é uma das coisas que gosto de fazer e sem saber porquê fui abandonando, como provavelmente aconteceu com tantas outras coisas que gosto de fazer mas que, como esta, fui abandonando. E hoje parei para pensar nisso. Na relação do fazer falta com o ir abandonando. Que também pode ser ir andando, ir deixando, ir ficando, ir perdendo e tantos outros verbos conjugados com “ndo” no fim. O que me leva a concluir que problema está no gerúndio. Nele, ou na ausência de choque que o mesmo implica. Se, um dia, alguém me tivesse dito: “pah, nunca mais vais escrever um texto criativo”, e quem diz isto diz nunca mais fazer outra coisa qualquer do meu agrado, eu diria logo: “estás mas é maluco! Vou sim.” Mas não, ninguém me disse isso, nem eu a mim próprio e, assim, fui deixando, de escrever, como muitas pessoas vão deixando acontecer coisas que, por progredirem lenta e discretamente, se desvanecem das suas vidas sem que se note muito. O que não seria necessariamente mau se algumas delas não fossem irrecuperáveis. Ou seja, o que, na minha relação com a escrita, é um problema menor, ou “menorizável”, uma vez que, ao que parece, estou a recuperar, nas relações políticas, sociais e humanas, pode ser uma tragédia porque o gerúndio camufla a degradação e favorece a inércia. Agradeço então que me espanque violentamente se algum dia, encontrando-me na rua, me perguntar: “então pah, tudo bem?” e eu responder: “mmm, vai-se andando…”